25.5.07














Painting by Elin Pendleton

Se houvesse degraus na terra...

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

Herberto Hélder

15.5.07

Fátima.

De pés ligados , as mãos na cara vermelha de esforço. Ao lado, na garrafa de água vazia e apertada não cabem as lágrimas que ficam na berma da estrada. Espera o monte que falta subir. A três dias do destino, do fim, que é na verdade um princípio. E continuam a passar por ela gritos de apoio e camiões que sorriem e o sol que não perdoa. É o barulho da peregrinação que se intromete nos silêncios de alma de quem não reconhece na estrada o sacríficio tão grande da vida.

Porque as lágrimas e o suor, a dor, o esforço resulta tudo da soma aritmética de um amor que não se explica.

Faz uma oração e expulsa a preguiça. Levanta-se e caminha. Perdida. Mas, não desencontrada. Há no caminho alguém que lhe oferece o braço e um rebuçado doce de açucar. "Isso é fome, minha querida!" E o caminho que é um monte de estrada sorri-lhe agora. Vai ser mais fácil. Agarrada a um braço e uma doçura que não conhece. Os vinte quilómetros que faltam parecem só dez.

Mais à frente há um grupo que canta e ri, outro que extende piadas e ainda outro que ladaínha as preces à volta de um terço. Ao passar por eles todos devolve-lhes o momento de conclusão. E sorri.

Fátima não se explica.

Nos campos, as cores da flor mais frágil contrastam com as estrada cheia de buracos, as casas partidas em muitos pedaços e vidas que foram cheias e agora estão vazias. E a paisagem muda, e nunca é a mesma e nunca se esquece. Apenas se confunde.

E são dias de madrugadas que demoram a terminar.

E no fim, mesmo no fim, na meta que se cruza é a paz que invade o cansaço e as lágrimas são de um beijo. "Obrigada, Mãe!".
E aí olha para trás. De agradecimento. De espanto. "Já terminou!?".

Já não tem os pés ligados. Já não tem dores no corpo. Tem a alma completa de um amor que não se explica. Porque Fátima mora acima das críticas, das opiniões, dos olhares. Reside em quem lá vai. Sem explicações.