29.3.06












Olho-te
Assim
No escuro.
E cai-me
Uma lágrima
Ao mar.
Digo-te
Amanhã
Se me cansei
De te chorar.

27.3.06

Carolina

“Quanto é o bilhete, por favor?”

“Para onde quer ir?”

“Até ao Carvalhido, passa lá, não passa?”

Com um aceno respondeu que era um Euro, retirou um bilhete do monte preparado e arranjado por um elástico de escritório, entregou-o e ficou à espera que ela contasse ou reunisse os trocos em moedas castanhas que se debatiam furiosas dentro da bolsa minúscula procurando alcançar a quantia exacta.

O autocarro finalmente seguiu. Sentou-se no único lugar à beira da janela entre um rapaz borbulhento e fanático de informática, tendência escondida atrás dos óculos grossos, as suíças mal cortadas, o olhar vago e as revistas debaixo do braço que denunciavam os conhecimentos de linguagens estranhas e binárias e de java e não de jade, e um senhor muito sozinho e esquecido, pela maneira desalinhada em que se apresentara provavelmente num café de juventude aos amigos mais velhos. Ou a ninguém. Os olhos não tinham o brilho que os olhos costumam ter. Eram de um brilho enevoado. As mãos haviam sido de um malandro ou de gente fina. Os dedos desse homem velho e esquecido eram de finura e candura, descobria-se uma pele que não fora viciada pelo trabalho físico ou agreste, porque as mãos ainda pareciam macias de quem nunca experimentou um calo. Mas, agora era só um velho esquecido num banco de dois lugares num autocarro que passava ao Carvalhido.

Enquanto o autocarro deslizava entre passadeiras de peões, semáforos intermitentes, mulheres grávidas nos passeios e adolescentes nas paragens, Carolina engolia o resto do café ainda mentalmente e percorria vezes sem contas as palavras repetidas durante o jantar que oferecera em sua casa na noite anterior a três amigos mais próximos.

Durante o jantar, que não fora breve mas antes prolongado, inspiraram-se em rios tintos maduros do Douro e a voz de um dos presentes profetizou-lhe a solidão por afastamento imposto e consciente. Nunca perante os vidros brilhantes da cristaleira da sala que vez alguma conteve cristais e até serve de estante das relíquias que adquiriu ao longo dos anos, Carolina suspirara diante as palavras e ataques que lhe dedicaram nessa noite de jantar servido com entradas, direito a sobremesa e café com cigarrilhas. Vergou e inclinou a cabeça silenciosa à má disposição de quem se havia lembrado de lhe atirar culpas dos milhares relacionamentos que nunca soube manter nem com os amigos, apesar de se ter admitido que era por isso que as amizades eram fáceis de construir ao lado dela. Era fácil transpirar um ai de leve paixão por aquele sorriso magro, de linhas rectas e sinceras, porque Carolina estava sempre presente, mesmo quando desaparecia afundando-se ou dissolvendo-se na multidão e nunca mais ninguém a via, até ela decidir voltar. Carolina nunca quis dar razão aos amigos que a assombraram na noite anterior, porque foram todos vítimas da sua presença. Todos haviam querido ser heróis nos braços daquela figura frágil e esguia. Por isso decidira que não tinham razão e debateu com eles a noite toda, até que foram embora. O sono que não entrava bloqueado por essas palavras que ainda a seguiam quando se esqueceu do troco do café, quando se sentou no autocarro que a conduzia.

Muitos anos já teria assim? Pareciam tão poucos comparativamente a todo que ela ainda queria fazer e que só por si demorariam tanto tempo que ainda não estava de certeza na altura de pensar que a necessidade de assentar já não faz parte da pressão social imposta às mulheres, mas eram os próprios amigos, companheiros de ideais e de revoluções e independências que a sentiam despegada de companhia e de planos que a carregavam com acusações. Planos. Que planos, quando se sentia demasiado irresponsável para ter a seu cargo a missão de fazer um plano? Os planos são coisas projectadas e pensadas e que são feitos para não falharem, poderia lá ela dedicar-se a que plano fosse quando não tinha preparação de capitão ou comandante para ter a responsabilidade do rumo que as coisas deveriam tomar. Arre! E essa manhã custou imenso a passar. Porque começou na madrugada do fim do jantar e duraria provavelmente até que lhe caísse a Rita, colega do escritório no colo a chorar que o marido ou namorado - porque Carolina não tinha a certeza, nem eles, se eram casados ou não - era um bruto e não lhe ligava nenhuma e preferia ficar a jogar “play station” com os amigos e essas coisas todas que os homens insensíveis ou distraídos são constantemente acusados de fazer.

Aí Carolina soltou um alívio quando a Rita chegou com os olhos inchados do choro de mais uma discussão e pode então, Carolina esquecer que andara barata tonta e nem dormira por causa dos amigos alarmistas e ciumentos da vida descomprometida que levava. Ai, que o ciúme é uma coisa muito feia!









Até um dia destes, amiga.

24.3.06





Ando às voltas o mais que posso.


Acabo sempre por me desencontrar.



(Obrigada, Mathieu.)

22.3.06



Regresso. De um regresso nunca definitivo.Regresso a casa, de vez. Por altura do galo cantar estarei adormecido sem névoa.
À cidade das coisas certas. Longe das ilusões. Perto, só dos sonhos.

(Obrigada, Afonso.)

21.3.06

17.3.06

Madrugada


Queria dizer-te que o teu mundo me fascina, ou o quanto me repele. Não compreendo sequer o porquê. Mas, posso fazer uma auto-análise à minha personalidade transviada e delirante. Quero acreditar que sei as razões, porque no fundo da minha loucura, o meu cérebro é racionalista e tem que dissecar os porquês, nunca dissociados dos valores mais inatos em que fui concebida e educada.

Porque sei e acredito.

Acredito que se um dia conseguissem adivinhar e perceber como sou chegariam à mesma conclusão científica e racional que explica, racional e cientificamente os meus porquês.

A conclusão será óbvia e curta.

Mas, decerto fica para outra vez. Porque me dá mais gozo falar com palavras que são o código dos meus segredos, mas são apenas delírios para quem as lê. É quase um conforto.

Quereria dizer-te que o meu mundo é estranho porque o faço. Estranho. Mas tão absurdamente simples, e para que ninguém o perceba complico! Ufa! Um alívio que é mentira mas, reconfortante.

Quereria dizer-te o quão é fácil apreciar a tua maneira de suspirar e o sorriso das tuas feromonas… Quereria dizer-te o quão fácil é ficar inspirada pelo teu jeitinho de adormecer. Dele, memória vã.

É um vento que sopra lá fora e quase desmaio. De uma infelicidade amargurada. Mas doce.

E a pose de anjinho, com um piscar no olho que faz a tentação do teu olhar ser diabólico.

E é chegar à conclusão que quando te apercebes que afinal já não compreendes o que se passa à tua volta e quase imediatamente essa linha de raciocínio tem que se transportar para o facto que também, e assim, afinal não te conheces. Oh, havia tanto que te queria dizer, mas não posso, porque não saberia como.


(Mais uma vez. Obrigada, Jorge.)

13.3.06

Gonçalo

Os dias demoram-se quando a demora das nossas decisões tardam em surgir. Um dia e depois outro e mais outro e não que baste só o pensar no que se poderá fazer. Não basta apenas achar que se tem capacidade para fazer quando é necessário fazê-lo.

As manhãs seguiam-se umas às outras na vida de Gonçalo. Entre festas e aulas e festa e festas, dedicava algum tempo à construção de maquetas complicadas e tema de avaliação nas aulas difíceis, estruturadas ao pensamento abstracto de construir pontos no espaço de modo a não incomodar nenhuma galáxia ou constelação.

Depois de descobrir que não tinha mais leite no fundo do pacote já defunto decidiu que o café da manhã lhe sabia bem melhor no tasco do Sr. Jacinto, junto à estação.

E foi com estas manhãs que o Gonçalo se habituou ao mimo dos pardais no passeio e agora tira-lhes fotos com o telemóvel que é máquina de filmar e de gravar som e de consultar a internet e que também dá para fazer chamadas.

Toma o café, regista o passeio dos animais que esvoaçam à volta dos pedaços de pão que lhes atira uma velhinha de puxo feito no cimo da nuca, escrevinha o nome da miúda que conheceu a noite anterior e lhe fez companhia na madrugada. Puxa o cabelo bem atrás e pronto para mais um dia para a faculdade onde vai se vai sentir derrotado, mais uma vez, por não conseguir acompanhar o raciocínio dos jogos de cartas que os colegas inventam.

Esquece porque é que gosta tanto dos pardais e da senhora que lhes dá pão.

Tinha três anos de idade por fazer e recorda das mãos do avô os passeios que davam no centro da cidade e o que tinha de fugir das pombas que o cobriam quando o avô o cercava de milho tornando-se um isco totalmente acidental das milhares ou só centenas de pombas que caiam atraídas com o som do cereal a bater na calçada escorregando pelo Gonçalo abaixo que só queria era fugir porque as pombas eram muitas. Enquanto isso, o avô ria orgulhoso da estátua de penas agitadas em que se tornara o neto. Deve ser por isso que hoje Gonçalo se fixa nos pequenos pardais que não são tão violentos, mais modestos e pouco rabugentos, assim como a mão doce da velhinha com o puxo no alto da nuca que não alimenta pombas, mas um bando de pardais à solta, como se estivessem em Paris, numa qualquer esplanada sobre o Sena. Com as vozes melódicas da brisa de fim de tarde a anunciar um momento de arte ou sublimação com o chilrear contente dos bandos. À solta. E porque é pão e não milho...


Saudades que tenho tuas.

Palavras que quero tuas.

Avanço sem ver.

Corro sem crer.

Descanso na alma do ar.

Morro sem fôlego.


(Obrigada, Jorge. Pelas fotos que insisto em roubar-te e pô-las aqui.

10.3.06

Cinema Batalha

Isto são boas notícias! Quer dizer... acho eu. É. Não acho. Tenho a certeza! É bom que, uma das mais bonitas casas de espectáculos do Porto, finalmente ganhe um fôlego, vida. Após anos e anos de abandono.
Sempre gostei daquele cinema. Lá, vi os primeiros filmes. Lá, dei a mão ao primeiro namorado. E seja porque razão sempre gostei daquele cinema.

Por isso, agora fico à espera. Da programação. Da remodelação.
De finalmente poder passear naquela zona sem voltas no estômago.

9.3.06

... e aproveito para informar que:

"O Clube Literário do Porto tem a honra de convidar Vª Exª a estar presente na Inauguração da Exposição de Fotografia “Triângulo” de Jorge Garcia Pereira que terá lugar no dia 10 de Março, pelas 21.30 h."
A não perder!

Ahhhh, como muito bem visto por uma leitora atenta , faltou incluir a morada... Acontece, acontece....


É assim: Clube Literário do Porto: Rua Nova da Alfândega, 22. 4050-430 Porto

Passam os dias lustrosos que lhe anunciam chuva.
Ela toca piano, irritantemente.
Hoje o dia será igual, certamente.
E como uma luz que treme à tua chegada
Assim, eu erro, gramaticalmente.





(foto de A.)

Pronto! Está quase!

As mudanças não são significativas. Mas isto leva o seu tempo e tendo em conta que o mandarim é bem mais fácil que o "html" nem está mal de todo!
Agora, devagarinho, vou adicionando os links todos que aqui a Susie gosta e recomenda!
Por isso, tenham paciência...
estamos em remodelações profundas e voltamos assim que for possível! Pelo que apresentamos as nossas sinceras desculpas por qualquer inconveniente!

arrependimento



Chove.
Tremendamente.

8.3.06

Hoje (aparentemente) é O Dia Internacional da Mulher.
Por favor, alguém me explica que raio é que isso quer dizer??

2.3.06



É por causa destas coisas que o Carnaval é uma festa horrível e devia ser proibido!

1.3.06

suspiro (III)



Altero só agora este "post" para o deixar completo e acabadinho. A emoção de receber a foto que o adorna levou-me à precipitação de o deixar vazio mas, não o pude deixar assim. Porque, o amigo fotógrafo é-me muito querido, de longias histórias e recordações. E porque esse meu amigo deu-me notícias bonitas, como um sol anunciado. Parabéns, Mathieu!

(foto por Mathieu Neuforge)